Na última década, o
pico de ocorrências foi registrado em 2015, ano em que o feminicídio foi
incluído no Código Penal como crime hediondos
Fonte: Terra
Quase dez mil mulheres foram vítimas de feminicídio ou
tentativas de homicídio por motivos de gênero nos últimos 9 anos, segundo
levantamento da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180)
Foto: lolostock / iStock
O número de
denúncias, entretanto, está muito aquém das ocorrências de feminicídio. Segundo
o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, só em
2016, cerca de 4.635 mulheres foram mortas por agressões, uma média de 12,6
mortes por dia.
A secretária
nacional de Mulheres, Andreza Colatto, explica que ainda há subnotificação de
denúncias e alerta que muitos casos de assassinato de mulheres poderiam ser
evitados. "Quando nós interrompemos um ciclo de violência contra uma
mulher por meio de uma denúncia simples salvamos muitas vidas", afirma
ela.
Entenda como
funciona a Lei Maria da Penha
Andreza
lembra que o Ligue 180 pode ser acionado em todo o território nacional e em
mais 16 países. "A denúncia pode ser feita anonimamente. Ninguém se compromete
ao denunciar, apenas apoia e auxilia mulheres que ficam desprovidas de coragem
para fazer essas denúncias. É necessário que a sociedade se empenhe na ajuda
contra esse problema tão grave que, todos os dias, tem registrado aumento de
casos no Brasil", reforça.
Ponta do
iceberg
O
assassinato de mulheres em razão da condição feminina é a expressão mais grave
dos vários tipos de violência de gênero. Segundo a Central, desde 2009 foram
relatados quase 737 mil casos de violência doméstica - mais de 80% do total de
denúncias recebidas no canal. Das agressões denunciadas em ambiente familiar
nos últimos anos, quase 60% são físicas e cerca de 30% psicológicas, tipos de
violência que geralmente precedem o crime do feminicídio.
De acordo
com a chefe do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam) do Distrito
Federal, Graciele Reis, a violência doméstica é o crime mais identificado nos
relatos de mulheres.
"Violência
doméstica é o carro-chefe. Normalmente, quando a mulher busca ajuda já chegou
na violência física. Para que ela entenda que está passando por uma violência
psicológica, realmente está no ápice da humilhação, do isolamento", alerta
a assistente social.
Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), um terço das mulheres do mundo já sofreu
alguma vez na vida violência física e/ou sexual. A organização estima que
mulheres expostas à violência doméstica têm duas vezes mais chance de
desenvolver depressão e/ou uso abusivo de álcool.
Violência
psicológica
Graciele destaca
que a melhor forma de prevenir o feminicídio é identificar os casos de
violência psicológica. Mas, em geral, as mulheres não conseguem compreender que
vivem uma situação de abuso e são submetidas, por muitos anos, aos excessos de
maridos e companheiros. "O (abuso) psicológico precisa estar quase na
violência física para ela compreender que está numa relação violenta. Ela tem
de estar sofrendo muito já."
Casos de
violência sexual e patrimonial dentro do casamento também são menosprezados,
segundo a assistente social. "Fica naquela cultura, 'eu trabalho, mas ele
administra meu dinheiro porque sabe usar melhor' e isso tudo vai podando a
mulher de ter a liberdade, de ter autonomia, de fazer o que ela quiser com o
dinheiro do próprio trabalho", analisa Graciele.
Veja abaixo:
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"Todo
mundo entende violência sexual como aquele estupro que puxa, rasga roupa. Mas
aquela fala do homem 'você é fria, você não quer nunca', 'você é minha mulher e
tem de cumprir também esse papel'; ele fica mal-humorado, ela cede para ele não
ficar grosseiro, as mulheres não compreendem isso como violência sexual",
ressalta.
Para a
vice-presidente do Instituto Maria da Penha (IMP), Regina Célia Almeida Silva
Barbosa, é importante ficar atento a agressões verbais e importunações que,
muitas vezes, são vistas com naturalidade. "Feminicídio não começa com
feminicídio. Ele começa nas sutilezas daquilo que muitas vezes o autor da
violência entende como uma permissão (da mulher)", afirma.
O Ceam
atende mulheres de diferentes perfis sociais - desde pessoas em situação de rua
até mulheres ricas. Em comum, elas têm o medo de retaliação do companheiro e de
serem julgadas pela sociedade, a falta de informação sobre os tipos de
violência e as dificuldades de expor o problema, principalmente na esfera
policial e criminal.
"Já
atendemos mulheres que passaram por violências físicas graves, dente
arrebentado, facada, tiro, paulada... Não é fácil se deslocar de casa (para
denunciar), não é fácil criar coragem, mas há vários casos de superação",
disse Graciele.
Acolhimento
e prevenção
Márcia (nome
fictício), de 44 anos, é um das mulheres atendidas pelo Ceam que tem superado o
medo e o trauma da violência doméstica. Durante os anos de casada, ela foi
impedida de estudar e trabalhar por ciúmes desmedidos do marido. O desejo de
encerrar o relacionamento de oito anos tornou o companheiro mais agressivo. Ele
se recusou a deixar a casa e passou a humilhar e maltratar a mulher.
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"Eu
estava triste, porque não estava mais dando certo e eu vi que já estava
começando a ficar doente, não estava mais aguentando. Eu estava tão abalada que
não sabia o que fazer. A gente fica sem chão, sem rumo, sem forças",
relata ela.
Márcia
passou a perceber que ele estava a ponto de agredi-la. Prevendo o pior, decidiu
buscar ajuda. "Liguei no 180, conversei, desabafei um pouco, porque eu
estava vendo que eu tinha de me movimentar, porque se eu não me mexesse, eu já
estava enxergando o que ia acontecer", completou.
Ela também
recorreu ao Ceam, onde recebeu atendimento psicológico e assistência social.
"Elas perceberam que eu estava precisando e começaram a me atender. Ali é
um meio de ajudar as mulheres que passam por problemas de violência, não só
física, mas psicológica. Realmente fortalece, porque quando a gente se sente
esmagada, triturada por alguém é como se não tivesse ninguém para te acolher,
te amparar", conta.
Quando
Márcia buscou apoio, o ex-companheiro saiu de casa, intimidado pela iniciativa
da mulher de denunciar a situação. Hoje, ela cursa faculdade e já está
aconselhando amigas da vizinhança que passam por situações de violência a
buscarem ajuda.
"Se
todas as mulheres que passam por isso pudessem evitar a partir desse momento da
agressão psicológica, antes de chegar à agressão física, eu acho que já seria
um grande fato para evitar esse número de mortes", afirma.
Dificuldade
Na
experiência diária de atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica, a
chefe do Ceam do Distrito Federal diz que há uma dificuldade dos policiais e
dos operadores da Justiça de enquadrar o abuso psicológico - como o caso de
Márcia -, se não estiver acompanhado de uma evidência como xingamento ou lesão
corporal.
"Precisa
trazer a violência psicológica à luz, porque isso tem destruído as mulheres que
acabam desenvolvendo transtornos mentais muito sérios. E, infelizmente, o
Estado ainda não está preparado para ouvir essas vítimas de forma
qualificada", critica Graciele.
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